segunda-feira, março 14, 2022
dos amores que vieram antes de mim (de meu amor por)
ainda lembro da sensação na espinha ao decidir desobeder. eu andava firme e segura para quem quisesse ver, pegava a chave do carro e dizia qualquer coisa, qualquer paradeiro, qualquer desculpa. e aguardava o som da mensagem, ou da fumaça do incêndio que eu acabara de começar. incêndio que encerraria-se deus sabe quando, que as fagulhas seriam deixadas em lastros e cascas e gramas secas para que reacendessem o inferno a qualquer momento.
ainda lembro da calmaria. da bonança depois da tempestade. ou da tempestade depois da bonança? os dias fazem-se confusos quando não há possibilidade de ordenação do caos. ainda lembro, portamto, do orvalho do dia em que ajoelhei pedindo perdão por existir, do frio do banheiro em que chorei clamando para que o mundo parasse, do calor nas bochechas enquanto eu gritava que não aguentava mais. eu não aguentava mais. mas o som não parou.
ainda lembro da dor em mim ao me perder, ao perder meu rumo, minha casa, meu cheiro. ao não saber qual era meu território. ainda lembro da crueldade de não saber mais em mim quem eu era - quem eu sou? - porém ouvir uma vez após a outra quem eu era para você: amor, demônio, amor, lixo, amor, perdição.
ainda confundo meu tatear no escuro para não acordar no meio do pesadelo porque a realidade era muito pior. sonhar com meu luto, com meus abusos, com meus afetos profundamente envaivecidos era melhor do que acordar com o tapa no estômago, com as acusações de ter ser pessoa, com as acusações de ser gente - com medo, faminta, incrível, caótica, inteligente, insensata, falante, falante, falante, faltante.
ainda lembro do sucumbir e ajoelhar e clamar e pedir e não orar somente porque não creio, mas pedir para que o mundo parasse para que eu pudesse respirar. uma porrada atrás da outra, mundo, calma, me deixa só secar essa lágrima, suor, enxaguar essa boca inflamada, essa garganta dolorida.
ainda lembro de buscar em vão as centelhas de quem eu era, mas sabendo que nunca fui. nunca fui porque sempre me esquivei de ser. me esquivei tanto que cheguei no ponto de partida. e este ponto de partida me parte em mil pedaços pois me lembro de tudo que tentei e tentei e tentei ser e não fui e não sou e quem serei? não sei.
(os amores que vieram antes de mim me ensinaram a não amar depois de vocês e agora quem sabe eu saiba amar depois de amar a mim mesma.)
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