segunda-feira, junho 14, 2004

Você,

desculpe-me pela demora em escrever. Ultimamente não ando muito boa com as palavras. Elas custam a sair.

Eu queria lhe falar de flores, mas vou acabar falando de esportes. E você vai me responder que não prestou atenção ao gol, e jogar na minha cara que eu só lembro das coisas mais inúteis.

Eu queria lhe falar de flores, e de sonhos, mas vou acabar falando de choro, e você vai retrucar um 'você não devia reclamar tanto assim', e eu vou ter vontade de sentar no seu colo, que já não existe mais para mim.

Eu queria lhe falar de flores, sonhos e de frustrações no meio do caminho. Mas eu me zomabria, e diria que 'no meio do caminho tinha uma pedra'.

Aí eu resolvi que não devo falar de nada. Pois não sei o nome das flores que vi hoje bme perto à rodoviária, e nem vou ficar divagando sobre a ilusão que é ter sonhos, e nem vou falar de frustrações que eu sequer sei quais são.

Eu poderia lhe falar sobre as peças brancas de mármore que eu vi movimentando, e pessoas vermelhas cobertas de terra que esperam, desesperadamente, pelas chuvas em tempos de seca, e eu poderia falar de agonia, de desamparo e de tristeza.

Mas o que eu queria mesmo era falar de felicidade e de escolha. Queria mesmo era colher as boas lágrimas da dor alheia que escorrem pelas fendas abertas em meu rosto. Queria te dizer, assim, como nos velhos tempos, que nós não vamos sucumbir. Que iremos permanecer. Queria fantasiar sobre o sempre, e crer que aguento todos os meus limites. Queria dizer que eu gostaria de parar de ser outros e ser, um dia, eu mesma.
O que eu queria falar mesmo é que não estou afetada pelas lágrimas alheias, e que não mais acordo às duas da manhã com vontade de gritar para todo o mundo ouvir minha voz.

Eu queria mesmo era lhe contar um monte de mentiras e fingir que minha vida é uma verdade.

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