Os turbilhões de estrelas imaginárias sobrevoam o apartamento escuro naquela noite de quinta-feira.
Ela, esperando o telefone tocar, imagina-se como pó intergalático, que não se contenta mais em viver na margem do universo.
Ainda pensando em como todos nós somos poeira cósmica - nadas entre o tudo, imperfeitos calçando a soberba - pega um copo, enche com vinho barato que sobrou de ontem, sentou sozinha no sofá que lhe foi doado, chorou sozinha não ser acompanhada.
Pensou na lesbicidade que tinha dentro de si, no medo de não ser nem-um-nem-outro, nem paralela nem perpendicular à história.
Encheu a cara de aolidões ardendetes, de ser patética e de não saber o que se é.
Finge que escuta o telefone tocar, finge que conversa com alguém no ar: se este é o único lugar pra se viver, fecharei meus olhos - e gritando - porque eu sou uma alma nova, louca pra viver uma marginalidade que não é a de meu tempo!
E desbruçando-se no mar de lágrimas incessantes gritou pelo caos e a vontade de mudar tudo para não ser ainda mais medíocre.
Olhou pela janela fechada por causa do vento frio e quis entender a juventude que não era mais tão ativa assim. Quis saber se seus colegas, amigos, amores ainda eram os mesmos, porque depois de tanto tempo sem querer saber de alguma coisa, já não entendia como podia amar tantas pessoas de tantas formas infelizes.
Abriu a janela, subiu no parapeito e pretendeu voar.
Mas com as asas podadas de passarinho engaiolado não se voa.
Enquanto o vinho esquentava ainda mais no copo, o sangue de tristeza se misturava ao leito triste de uma rua escurecida.
Levantou magoada com a morte, pois nem a morte a queria.
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