quarta-feira, abril 26, 2023
Psicanálise noturna
hoje, eu matei minha mãe. a faquinha de serra atravessou sua pele, sua gordura, seu estômago. não saiu sangue na hora e ela me olhou perplexa. já não era ela e não era eu. não havia mais nada.
hoje, eu matei minha mãe. não foi que minha mãe morreu (de novo), não foi um ela estar viva e sumir, não foi um ato dela. meu. ela não caiu da escada (como antes), ela não fora abandonada na estação de trem (como antes). ela não foi presa na alfândega e desapareceu (como antes). não hoje.
hoje, eu matei minha mãe em ato deliberado, firme, confuso, jocoso até. como matar a mãe com uma pequena faquinha de serra? estar passando manteiga no pão, virar, ouvir, enraivecer, acertar. acertar em cheio. sem saber onde. sem saber anatomia. sem saber como.
hoje, eu matei minha mãe para matar algo em mim. a doença (qualquer uma), a presença insuportável da ausência, a desesperança, a data comemorativa que chega e me obriga a viver, então, matei.
hoje, eu matei minha mãe e acordei com ela ainda mais forte. entalada na garganta, tosse braba, angústia no peito, chiado no peito, câncer no peito profundo, pulmão tomado, memória da exaustão.
hoje, eu finalmente matei minha mãe. e ela reviveu.