sexta-feira, agosto 28, 2020

Aniversário de namoro

As violências nos destroem de maneiras inimagináveis. Alguns pequenos gestos são ignoráveis. A gente deixa acontecer porque as demandas do mundo se sobrepõem. Porque sabemos que a violência vem de todos os lados. Ignorar é tentar manter-se sã. Depois, as feridas passam a abrir. E questionamos por que, em vez de pomada cicatrizante, antissépticos, mertiolate, a gente passa limão. Com sal. E elas se abrem ainda mais. E a gente arruma justificativas. Somos humanos, erramos, quem não erra? E a ferida não fecha. E vem o primeiro murro. E o primeiro roxo. E aí, as portas quebradas e a vida destroçada pelas entranhas. Parece que o mundo puxou de dentro o intestino e rasgou pela garganta. O sentimento é a vergonha. Depois, a gente tenta se ajustar como dá. Mede daqui, esconde dali, fala com ressalvas. Mas algumas coisas continuam: o afeto, o apoio, manter-se junto. Sempre. Promessas. Falácias contadas como quem debulha o milho. Um por um e, ao mesmo tempo, aos montes. O sentimento? A culpa. Nesse ponto, não tem mais volta, senhoras. Ignorar já não existe. Porque os gritos ecoam na esperança que a pessoa te ouça. Não é que alguém ouça. Aquela pessoa. Aquele sujeito. Aquele ser. Porque quer-se ser junto. Ainda. Mas não tem mais volta. No ar, a dúvida. E o caminho permanece tortuoso. Será que é inadequada? Será que não acerta? Quem se é no mundo senão o sujeito que não serve nem pra ser objeto. Abjeto. Não serve nem pra ser desprezível. O fim? Não se sabe. A dor caminha. A violência. A descrença em si. O não perdão. O que quer, fica bem claro, é que não se tenha ninguém, porque o outro não tem ninguém. A condição é a violência. A violência dilacera em pedaços que não sabíamos ser possível. Porque ela é a regra. É a medida. Do outro para ela. E de ela para o mundo. Nada será mais como podia ser.

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