segunda-feira, maio 13, 2019
O dia que o capitalismo acabou comigo dentre outros dias
Dia das mães. Depois de passar, quem sabe dá pra escrever? Para pensar? Para parar de chorar?
Não me lembrava que seria dia das mães. Mas ali, no fundo cerebral do esquecimento, nada fica. E a gente toma decisões burras para que o baú se abra e saiam os ventos dos dias das mães passados. E futuros.
Mas que decisão equivocada? Ir ao shopping. Sim. Me dei conta que a calça de ginástica já não dava pra ser usada e falei: vou aproveitar essa tarde de sábado pra dar um pulo ali no shopping. Que grave arrependimento. Todos os espaços gritavam: dia das mães. Qual o estilo da sua mãe? O que sua mãe gosta? Afetos bons, afetos ruins, pensava que "pelo menos, essa não será mais uma preocupação". Afinal, dona Geni era uma mulher impossível de agradar com presentes. 100% das vezes, sinto que errei, que erramos. Melhor não precisar comprar ou fazer nada, certo? Nem se cozinhasse seria bom porque ela detestava minha comida - não só a comida, mas sinto que detestava o processo de me ver cozinhar também. A comida mais detestada por ela, posso listar: risoto. O resto, tinha um senso crítico notório: qualquer coisa não feita por ela seria inevitavelmente alvo de comentários taticamente posicionados para mostrar que eu (e qualquer uma de suas filhas, especialmente) poderia ter feito melhor.
Então, antes não ter que me preocupar mais com dia das mães. Há males que vêm para o bem, dizem por aí.
Aí reside o equívoco da mente enlutada. Ainda que todos os defeitos sejam listados, rememorados, trazidos à baila para proteger um pouco a noção de que é possível viver após a perda, estou lá me pegando a olhar vitrines de sapatos e de bolsas (o gosto por alguns objetos é genético? deve ser!) pensando o quanto ela adoraria essa nova coleção outono/inverno breguíssima de tons de vinho, marrom, beges e florais.
E a compra de 3 camisas polo e duas calças leggings se transformou em uma caminhada de mais de 3 horas em um prédio lotado de pessoas felizes e preocupadas, correndo com os últimos acertos pro dia seguinte. E não há racionalização de data que conseguisse me afastar de entrar em lojas e me pegar experimentando roupas que sabia que detestaria e imaginava já o comentário de minha, às vezes, sábia mãe sobre o bom gosto ser questão de bom senso e não de riqueza. E saber que minha mãe adoraria a calça azul meio social que experimentei, mas detestaria o macacão que me deixou ainda mais gorda. E, sim, demorou anos para que ela parasse de falar que eu estava fora do peso, gorda, que deveria emagrecer. Anos de custos emocionais e de muita conversa sobre feminismo. E palavras que não saem da cabeça de jeito nenhum.
Passado o dia das mães, martelam uma série de coisas dentre crises de ansiedade, dores musculares do ioga, notícias que destroem minha possibilidade de felicidade no trabalho, ruínas de uma izis que já foi (ágil, estratégica, eficiente, crítica, leitora). Entre cartazes de feliz dia das mães, a racionalização tá lá: família é uma convenção social que gera obrigatoriedades e que não necessariamente é o melhor. Aí, a obrigatoriedade volta e se renova: esse tipo de família é convenção social que gera obrigatoriedades em momentos que eu nano queria - e ninguém deveria - ter que resolver, ter que pensar. Entre cartazes de feliz dia das mães, e posts de questionamento, e vidas que se esfacelaram e se refizeram na maternidade, tem o luto. um luto que engasga a garganta e que quer esvair-se em lágrimas e gritos e mais lágrimas de qualquer jeito. enquanto eu tenho que seguir o ritmo desenfreado do mundo de trabalhadora em que não dá simplesmente para ignorar o dia das mães ou faltar trabalho pelo ódio que corrói as veias.
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