terça-feira, outubro 01, 2002

Talvez com a porta do quarto aberta, o vento entre e leve embora as lembranças dele e dela.
As fotos mal tiradas, apagadas, choradas, guardadas, não são lembranças, não ficam pra sempre. Mas a memória, ah!, maldita memória, essa fica eternamente, ou até a velhice esclerosada.
Talvez se as janelas ficassem abertas e arrancassem as grades enferrujadas, as lembranças, o cheiro de bebida, tudo iria embora mais cedo. Só que o cedo pros boêmios não é horário certo, é a hora que eles querem. E a memória, de novo a chata, faz seu próprio horário, e vê que quem agoniado está pra ela ir embora, não fica livre nunca.
Jogando os barcos, carros, cuspes, cartas embaixo da cama, chora as amarguras de não viver mais nada. Cada feixe de lembrança que tem, cada feixe de vida que não tem.
A porta aberta libera os ares do amor. As janelas abertas soltam os ventos da ilusão. Mas a memória fica, junto com a amargura.
Não adianta nada, querida, só vou quando eu quiser.
Jogando as palavras ao léu do morto-vivo que nasce no quarto perdido, chora o leite derramado por dizer eu te amo.
Só não sabe que os eu te amos voltam quando querem. Assim como a memória nos prega peças quando quer.
E o eu te amo voltou, baixo, em pequenos tons, e não ouviu.
Os estardalhaços do coração foram mais altos que tudo o que queria ter. Só sobrou a memória, viva, chata, que não queria ter.

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