segunda-feira, outubro 19, 2020

canção

quando você dá um passo maior que as pernas, o que espera encontrar? eu esperava encontrar o afago. o que veio? o tombo. hoje, o dia chuvoso merece nada menos que cecília. tatuada em mim para me lembrar e relembrar que, no fundo, há os navios jogados e não recebidos por iemanjá. "Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; - depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas, e a cor que escorre de meus dedos colore as areias desertas. O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; debaixo da água vai morrendo meu sonho, dentro de um navio… Chorarei quanto for preciso, para fazer com que o mar cresça, e o meu navio chegue ao fundo e o meu sonho desapareça. Depois, tudo estará perfeito; praia lisa, águas ordenadas, meus olhos secos como pedras e as minhas duas mãos quebradas."

quarta-feira, outubro 07, 2020

cartas

as cartas não enviadas são a memória com a qual podemos aprender. guardadas, esquecemos. ao reencontrá-las, podemos saber o que de nós ainda há ali.

segunda-feira, setembro 21, 2020

Primaveril

Você perdeu o primeiro dia de cheiro de chuva do ano. O primeiro ato dos céus para relembrar que sofrimento se comunica. Como se comunica. E as lágrimas das nuvens com a força da dor nos caminhos de 170 dias. 170 dias maquinando como esvair-se. Chorar quanto depois de tanto tempo? Você perdeu o primeiro espetáculo das nuvens gloriosas que se batem entre elas e explodem em gritos de desespero. Os trovões. Explodem em conflitos intensos, tensos, luminosos. E adentram em estado de torpor e se dissipam como se nunca houvessem sido clamadas pelas terras secas. Você perdeu o primeiro espetáculo da tristeza do ano. Que inaugura aos olfatos o dia em que na terra pode algo renascer.

quarta-feira, setembro 16, 2020

Quarta-feira.

As quartas-feiras são os dias em que eu nasci. São meus dias de potência, regidos pelo metal líquido que se faz planeta. Regidos pelo calor que me move, pelo combustível que queima incessantemente e que, à distância, me incendeia. As quartas são os dias em que posso reabrir as comportas para dar passagem ao rio que se forma em mim. Eu choro. E coloco, em seguida, em brasas os caminhos que tendem a se fechar. As quartas são dias de relembrar quem sou. De onde vim. Da dor. Da tristeza. Da violência. E de onde me refiz: na candura, no cuidado, na aceitação da fragilidade. Os metais, quando quentes, são maleáveis. Ao entrarem em contato com minhas lágrimas, endurecem. E fazem-se armas.

Segunda-feira (dia de Lua)

A pele arrepia. Finalmente, a dor chega. O medo. Tomo por real aquilo que quase aconteceu. Eu quase não estaria aqui. Eu quase morri. O homem que eu amei quase me matou. E eu sobrevivi. Sobrevivi? Deixo para trás um pedaço de mim para colar novamente meus pequenos pedaços. A pele, roxa, arrepia e dói. Os olhos, sensíveis à luz, choram. Eu coro. Ecôo. Minhas mãos ainda tremem. Hoje, é regido pela lua. Essa que traz as cores da noite às superfícies, que ilumina quando iluminada, que cerca de luz tangente. Hoje não sou mais eu, sou outra. Caio em mim percebendo que modifiquei. A pele arrepia. Eu não morri. Eu ainda estou aqui.

Sobre responsabilidades (dia de Saturno)

O grito ríspido ainda ecoa em meus ouvidos, seguido por um pedido pequeno de desculpas de que sabe que o endereçamento foi equivocado. No momento, raiva e medo criaram uma nuvem e essa, antes de se dissipar, não permitiu que a clareza dos pensamentos fossem vistos. Às vezes, é preciso que outro tome decisões por nós porque o mundo palpável nos escapa. Encobertas pelo véu tecido pela tristeza, pelos traumas, pelas dores incomunicáveis, essas tramas finas impedem que vejamos as curvas sinuosas à frente. É preciso que alguém levante a luminária — de óleo, com velas, de fogo — para que seja possível enxergar que algo começa também quando a reta termina, e que as curvas podem continuar pela eternidade. Mas, que o guia, os guias, as lamparinas também poderão permanecer — desde que cuidemos delas. Que alimentemos com o combustível vital. Para isso, é preciso reconhecer que o grito dado nem sempre foi direcionado corretamente. E que aquele que se coloca entre o eu e o mundo pode saber e dominar outros aspectos que são ignorados solenemente na impressão de que há controle. Não há controle. Nem sempre há controle. Podemos ser obrigados a vomitar as pedras que nos engasgam e, com elas, os frutos e os filhos da nossa existência. Regurgitamos porque não há controle sobre o estômago, o abdômen, o diafragma. E faz-se novamente o tempo — o que segue, o que passa e o que diz qual coisa deveria estar em outro lugar. Deveria eu estar em outro lugar? O que virá também não está dado. O que foi, aconteceu. Recusamos o passado quando não nos aparece como queríamos que ele tivesse sido erguido. E destruímos o castelo das memórias até que sobrem ruínas. Mas, as ruínas estarão lá. E, poderemos, poderei, ver sua mão após a neblina? Quando as cortinas de nuvens densas se fecharem, seremos capazes de nos enxergar novamente? Serei capaz de me ver como de fato sou? "Here I am, pry me open What do you want to know? I’m just a kid who grew up scared enough To hold the door shut And bury my innocence But here’s a map, here’s a shovel Here’s my Achilles’ heel I’m all in, palms out I’m at your mercy now and I’m ready to begin I am strong, I am strong, I am strong enough to let you in." No play: Sleeping at last — eight. https://www.youtube.com/watch?v=K99i5GF65to&list=RDMMXwnPFg3JBFU&index=6

sexta-feira, setembro 11, 2020

Em si mesma

Quando fui eu pela última vez? Quando foi o último suspiro autêntico? Quando a lágrima foi minha e só minha? O que me atravessou e me lançou ao mar aberto? Sem saber o que fazer, como fazer? Afundar? Nadar sem rumo? Deixar-me levar pelas correntezas ou lutar? Quando foi a última vez que a decisão foi minha? Quem deixou que essas dores se instalassem e que, cada vez mais, eu sentisse menos como se eu fosse eu mesma? Quem permitiu que eu visse de fora - e não de dentro - os acontecimentos? E quem permitiu que algumas coisas acontecessem? Em que terreno foi plantada a dívida moral que me guia? (Guia? Orienta? Ou tortura?). Quais terras seriam férteis para outros pensamentos? Quando eu fui eu pela última vez? Na hora da briga? O grito sou eu? (no play, adam levine - can a song save your life?: "please see me").

segunda-feira, agosto 31, 2020

Saudades

a lágrima, a garganta, a falta. marcam no calendário dois anos. 24 meses sem sua presença. te queria aqui. ainda que fosse para só mais um único café da tarde.

sexta-feira, agosto 28, 2020

Aniversário de namoro

As violências nos destroem de maneiras inimagináveis. Alguns pequenos gestos são ignoráveis. A gente deixa acontecer porque as demandas do mundo se sobrepõem. Porque sabemos que a violência vem de todos os lados. Ignorar é tentar manter-se sã. Depois, as feridas passam a abrir. E questionamos por que, em vez de pomada cicatrizante, antissépticos, mertiolate, a gente passa limão. Com sal. E elas se abrem ainda mais. E a gente arruma justificativas. Somos humanos, erramos, quem não erra? E a ferida não fecha. E vem o primeiro murro. E o primeiro roxo. E aí, as portas quebradas e a vida destroçada pelas entranhas. Parece que o mundo puxou de dentro o intestino e rasgou pela garganta. O sentimento é a vergonha. Depois, a gente tenta se ajustar como dá. Mede daqui, esconde dali, fala com ressalvas. Mas algumas coisas continuam: o afeto, o apoio, manter-se junto. Sempre. Promessas. Falácias contadas como quem debulha o milho. Um por um e, ao mesmo tempo, aos montes. O sentimento? A culpa. Nesse ponto, não tem mais volta, senhoras. Ignorar já não existe. Porque os gritos ecoam na esperança que a pessoa te ouça. Não é que alguém ouça. Aquela pessoa. Aquele sujeito. Aquele ser. Porque quer-se ser junto. Ainda. Mas não tem mais volta. No ar, a dúvida. E o caminho permanece tortuoso. Será que é inadequada? Será que não acerta? Quem se é no mundo senão o sujeito que não serve nem pra ser objeto. Abjeto. Não serve nem pra ser desprezível. O fim? Não se sabe. A dor caminha. A violência. A descrença em si. O não perdão. O que quer, fica bem claro, é que não se tenha ninguém, porque o outro não tem ninguém. A condição é a violência. A violência dilacera em pedaços que não sabíamos ser possível. Porque ela é a regra. É a medida. Do outro para ela. E de ela para o mundo. Nada será mais como podia ser.

quarta-feira, agosto 26, 2020

Dia de mercúrio

caminhar implica em arquitetar e decidir. como me estendo a tal ponto de ficar em pé? em que seguro para não desequilibrar? a perna direita primeiro? ou a esquerda? se pisar com a ponta do pé, quem vai ouvir? eu vou cair? traçar caminhos implica em pequenos atos de coordenação fina: pegar o papel (imaginário, até) e mapear os pequenos pontos. retomar na memória os passos já dados. ter em si e desenhar o que virá. abrir caminhos implica em colocar em ação o decidido, o pensado, o calculado. abrir caminhos é ter a força de ceifar o mato, trilhar o chão de terra batida. rastelar o que ficou para se ter melhor noção do que se fez. caminhar implica em decidir o movimento. e movimentar é saber que não se está preso. (eu precisei transformar dor em força e ódio em movimento).

quarta-feira, agosto 19, 2020

o sol que não se esconde nas nuvens

e encontra-se quando ilumina outrem. sabe que conseguir que a luz toque as sombras não pode fazer com que perca seu próprio brilho.

terça-feira, agosto 11, 2020

os dizeres que não precisam ser ditos

quando eu decidir ir embora, com que cores pretas pintarei o horizonte? quando eu decidir ficar, quem rirá de mim?

terça-feira, julho 28, 2020

se espero calada e tranquila é porque sei que meu café preto e amargo (como a vida) esfriará e, quando o calor não existir, eu também não mais estarei aqui. (a trilha é rodrigo alarcon - lado vazio do sofá).

segunda-feira, julho 27, 2020

pausas

se todas as palavras fossem uma só, seriam tempestade. o que vejo no horizonte é a tempestade gerada e gestada dentro de mim. criei, com cores pesadas e brutas, um céu que destoa do brasiliense nessa época do ano. exagerei nas cores, transbordei na água da tintura e com toques de algodão sequei o azul escuro que se mancha e suavemente clareia chegando à borda do infinito onde ainda enxergo. se todas as palavras fossem uma, seriam solidão? deixo pairar a dúvida. para que seja possível respirar com menos dor, que a existência possa dar-se pausas para sentir e para o pensar. deixo a dúvida porque não há mundo sem ela, porque a certeza fecha, por vezes, mais portas do que abre. deixo a dúvida porque encontro caminhos há tempos para que escoem as águas das minhas tempestades. essas, que aparecem agora na tentativa de me amedrontar. caminho. olhos ainda límpidos. semblante preocupado, afinal, vem a chuva para lavar o rosto, mas que corre sempre o risco de alagar meus espaços e ceder, de novo, à solidão. hoje ainda não é dia de desabrochar. há águas porvir. devir.

quarta-feira, junho 10, 2020

Todos os olhares se viram para mim. Falada, jogada, colocada em um lugar distinto daquele ao que pertenço. Pertenço a mim? Ao imaginário sobre aquilo que me tornaria? Qual é o espaço em que caibo se não caibo em mim? E sou deslocada, ressituada, manejada ao ódio daquilo que já fui. Os olhares se viram e os dedos apontam para mim. Eu re-existo pelo outro.